terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A MODERNIDADE DA NOVELA DAS SETE: A PUBLICIDADE NA FICÇÃO!


Por Marcelo Ramos

A sociedade moderna usou o modelo-fábrica como cenário para as cenas que envolviam questões profissionais das personagens dos filmes de Hollywood e, consequentemente, das novelas latinas. Durante um longo período, as vidas das personagens das telenovelas brasileiras foram entrelaçadas com as fábricas e indústrias. Uma das novelas, inclusive, recebeu o nome de ‘A Fábrica’, exibida pela TV Tupi em 1972. Isabel (Aracy Balabanian), a protagonista, é dona de uma indústria de tecidos. Essa é ‘a fábrica’ do título. Dentro da fábrica de tecidos aconteceram os grandes momentos da vida de Isabel: seu pai, seu marido e seu irmão haviam morrido num acidente da fábrica. Também é lá dentro que Isabel conhece Fábio (Juca de Oliveira), grande amor que viveria na novela. Ainda em 1972, na TV Globo, Janete Clair fez uma adaptação do romance estadunidense ‘Uma Tragédia Americana’, de Theodore Dreiser, localizando a adaptação na capital do Rio de Janeiro. Em ‘Selva de Pedra’, Cristiano Vilhena (Francisco Cuoco) tem que deixar a cidade natal, no norte fluminense, e se esconder na capital do Estado do Rio, a segunda maior cidade do Brasil em números de população (justificando, assim, o título da novela). No Rio, Cristiano busca a ajuda de um tio milionário, Aristides (Gilberto Martinho), dono de um estaleiro no porto do Rio. Todo o núcleo dos ricos girava em torno das atividades no estaleiro e, dentro da firma os relacionamentos pessoais eram desenvolvidos.

Na novela 'A Fábrica',exibida pela TV Tupi em 1972, Aracy Balabanian e Juca de Oliveira viveriam novamente um par romântico - dentro de uma fábrica de tecidos para corte e costura.
Eu comecei a pensar nessa questão da passagem do ‘modelo-fábrica’ para o ‘modelo-empresa’ pela necessidade que eu tive de compreender melhor o funcionamento de uma agência de publicidade dentro das novelas. Consegui encontrar, em muitas das novelas já exibidas e nas que estão no ar, diferenças entre uma empresa (neste caso, as agências de publicidade) e uma fábrica (ou indústria), que segundo o pensador francês Michel Foucault, representaria um modelo de produção da sociedade capitalista ocidental. Há um tempo, conversando com Beto Pêgo (um amigo ex-telemaníaco do curso de Publicidade e Propaganda), descobrimos que, inconscientemente, havíamos prestado o vestibular para o curso de Publicidade e Propaganda por causa de duas novelas: ‘Sassaricando’ (TV Globo, 1987, 19h) e ‘ Lua Cheia de Amor’ (TV Globo, 1991, 19h). Rimos muito juntos, ao nos darmos conta disso dentro do turbilhão de descobertas artísticas e literárias que o curso da UFRJ exigia. Nunca me esqueci desse insight . Sim, foi um insight, pois havíamos escolhidos uma profissão baseada em personagens de novelas que acompanhamos fielmente num passado já distante. Essa questão do meu desejo inconsciente por me tornar um publicitário, originado da observação de personagens yuppies de novelas das sete veio-me à tona já em meados de 1997.

O termo ‘yuppie’ - para a maioria que não conhece – é uma sigla para a expressão em inglês ‘Young Urban People’ (pessoas jovens e urbanas). Essa expressão foi muito usada nos anos 80 para definir jovens executivos das cidades grandes. Beto Bacellar (Marcos Frota), Tadeu (Roberto Bataglin) e Augusto Souto Maia (Maurício Mattar) foram os três yuppies mais ‘transados’ dos anos 80 e foi através dessas personagens que eu conheci o mundo da propaganda.

Beto Bacellar, o histérico mocinho romântico de ‘Sassaricando’, era sócio do casal de sobrenome Salivas numa agência de publicidade em um bairro elegante de São Paulo. Nascido e criado em Belo Horizonte, Beto fora adulto para a capital de São Paulo, a ‘Meca’ dos publicitários do Brasil. Bem-sucedido, Beto dividia o aluguel de um apartamento de estilo ‘pós-moderno’, com arquitetura de vanguarda e decorado com móveis e acessórios de muito bom gosto. Na agência de Beto, seu amigo Tadeu (Roberto Battaglin) – moço solteiro e sem família na cidade – funcionava como diretor, auxiliar, criador de campanhas, um executivo ‘faz-tudo’. As funções próprias de uma agência de publicidade não eram as convencionais. Apenas haviam os dois diretores (com Tadeu subordinado a Beto), a secretária e o boy. Também trabalhavam na fictícia ‘BB & Salivas’ a secretária seriíssima Bia (Bárbara Thiré) e o office-boy boa-pinta Maurício (Maurício Alves). Havia também a fotógrafa Camila Abdalla (Maitê Proença), profissional liberal (na linguagem oitentista ‘free lancer’ - ou apenas ‘freela’- era o nome dado aos profissionais da área que trabalhavam por conta própria, sem se empregarem numa única empresa) que fazia as fotos das campanhas da BB & Salivas. Tudo era muito belo, novo e cheio de glamour na agência da novela. 

Alguns lançamentos verdadeiros foram feitos na novela, através dos publicitários Beto e Tadeu. A fábrica de brinquedos ‘Estrela’ (maior marca de brinquedos da época) usou a agência fictícia ‘BB & Salivas’ para promover sua última novidade em matéria de entretenimento: o ‘Pogo-Bol’ - uma bola colorida arrodeada por laterais redondas, semelhante à uma imagem do planeta Saturno e seus ‘aneis’ -, que virou febre nacional. Beto e Tadeu ficavam encarregados de lançar o produto na televisão brasileira e a novela mostrava a cena do processo de começo de criação da campanha do ‘Pogo-Bol’. A cena terminava com os dois executivos yuppies pulando no ‘Pogo-Bol’, vestindo terno e gravata, às gargalhadas. Ponto pra eles: o brinquedo virou mania nacional.  


A maior campanha publicitária realizada pela agência de Beto Bacellar foi mostrada na fase final da novela: uma de suas clientes mais ricas e exigentes, Kiki Lavigne (Célia Biar) era dona de uma confecção de underwear masculina. ‘Cuecas Ding Dong’ era, como se chama na publicidade o produto-estrela da fábrica de Kiki, mulher bastante espalhafatosa, que não perdia o porte elegante mesmo assim. O tipo de dondoca rica que a atriz estava acostumada a viver no horário das sete. A madame criava (ela mesma) letreiros, cartazes, slogans imaginários para seu produto nada convencional: “As’ cuecas Ding Dong’...”, dizia ela enquanto fazia um gesto com a mão como se o texto estivesse escrito num grande outdoor. Foi um momento muito engraçado da novela, pois a importante cliente da agência, autoritária e falante – promoveu, durante um bom período da novela, uma “caça ao bumbum masculino” para ser o modelo da campanha de promoção das cuecas. Um dia, o cunhado de Beto - o sempre zangado Jorge Miguel (o ‘Guel’) - foi até a agência para passar mais uma espinafrada no publicitário, que estava muito envolvido com sua irmã, Tancinha (Cláudia Raia). Tancinha já era a prometida do caminhoneiro órfão Apolo (Alexandre Frota) desde criança. Namoravam debaixo do chinelo de Guel, o homem de uma casa de quatro mulheres. Mesmo conhecendo Apolo há muito tempo, Guel era machista e deixava Tancinha namorar somente porque não tinha outra escolha. E no meio disso, Beto se apaixonara, à primeira vista, por Tancinha e conseguiu tomar a moça do antigo namorado, quase noivo. Kiki olha Guel falando alto, admirada com sua beleza e tem uma ideia “genial”: havia achado o bumbum da sua marca. Claro que o mal-humorado Guel não gostou nem um pouco da história e se recusa veementemente a ser o modelo da campanha de lançamento das cuecas. Só que Kiki é milionária excêntrica e não desiste – ela promove uma perseguição dos publicitários ao bumbum de Guel, que fica irado com a proposta e foge de Kiki como o diabo da cruz.

Quando Beto e Tadeu dão-se conta de que o ‘bumbum perfeito’ de Guel não vai mesmo ilustrar a campanha das cuecas de Kiki, eles vão à caça de um bumbum ideal para a campanha numa praia do litoral paulista. De bonés e óculos-escuros (apara não serem reconhecidos) e binóculos em punho, deitam-se na areia e começam a examinar os rapazes de sunga. Cena hilária. Um acha um possível modelo, numa roda de conversa e pergunta a outro: “Que tal este?” – e passa o binóculo para o outro. Não adianta nada, pois bumbum de homem realmente não é o métier de nenhum dos dois. Não sabem escolher, não tem a mínima noção. Aí nos foi apresentado o trabalho de um publicitário. Da forma farsesca, típica das comédias rasgadas do Sílvio de Abreu, mas é mostrado, pela primeira vez em uma novela, esse tipo de trabalho, tão diferente, que o público das novelas só havia conhecido em raras novelas, como ‘A Próxima Atração’, de Walter Negrão e ‘Pecado Capital’, nesta, através do publicitário Nélio Porto Rico (Dennis Carvalho), em 1975.

Para finalizar o quiproquó da seleção do modelo das ‘cuecas Ding Dong’, Kiki Lavigne decide pelo bumbum de outro galã da novela: o caminhoneiro grosseirão Adônis (Rômulo Arantes). Este, envolvido com Juana (Denise Milfont), aceita o convite para posar nu, no estúdio de Camila, como modelo das cuecas de Kiki. O casal Juana e Adônis termina a novela como modelos exclusivos da marca ‘Ding Dong’. Adônis tira a barba, faz um corte de cabelo bem moderno e se transforma completamente em um homem elegante. O que a moda não faz com uma pessoa, hein?


Esse espaço que me foi dado no blog vai ser usado para eu relembrar cenas de novelas onde a publicidade e a moda usaram da beleza dos atores para promover os próprios atores, os personagens ou produtos lançados nas novelas. A lista é grande. Como especialista da área de Estética e Cultura de Massa, vou trazer, nas minhas postagens para o blog, novas questões sobre a exploração da beleza dos atores em várias situações da história das telenovelas e das outras narrativas seriadas. Espero, de coração, que gostem.

Agradeço, em especial, a orientação constante de Gesner Avancini no desenvolvimento desse novo projeto aqui dentro do blog.

2 comentários:

  1. putz, tipo de post que eu adoro ler, que leva a história da telenovela a sério em seus vários aspectos, principalmente os comportamentais.
    Não lembrava das cuecas ding dong...tampouco da magnífica Célia Biar nessa participação...que falta faz esse tipo de atriz. Parabéns, Marcelo, mandou muito bem.

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  2. Boa tarde, algém tem algum vídeo ou foto do Maurício Alves o "Office Boy boa pinta" kkkkkk.
    Ele é meu pai, se alguém encontrae algo por favor me avisem, eu gostaria de fazer uma surpresa pra ele. Desde já agradeço. Meu email é raiza.joseyuri@gmail.com

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