sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Pressa vira Pressão!!!

Sou suspeito em elogiar os textos do amigo Carlos José dos Santos, pois os aprecio bastante. Espero que vocês curtam também, e desde já agradeço ao querido amigo.


O modo como se vive o trânsito é o modo como se leva a vida. Explico. Outro dia levantei-me de manhã, cinco minutos depois do tempo convencional. Fazia muito frio e pensei que cinco minutinhos a mais debaixo do cobertor fariam alguma diferença no chamado tempo adequado de sono. Diferença fez sim, apenas contribuiu com o inadequado modo de sair de casa em direção ao trabalho.
Cinco minutos a mais de cobertor significou correria para me arrumar, pressa para digerir o café da manhã, e pressão para dirigir o automóvel, corrida contra o tempo que começou numa afobação logo ao sair da garagem. Depois disso, já dá pra imaginar a maneira acelerada como me conduzi, tentando apressar também os outros e brigando com meio mundo, ainda que, na ladainha dos meus resmungos.
Naquela manhã, todos os semáforos avermelharam-se. E não foi de vergonha, afinal quem deveria ter sentido isso, era eu.  Não peguei um sinal que não me obrigasse a parar. Era como se eu estivesse recebendo o cartão de um árbitro, reprovando meu comportamento perigoso, e poderia entender, não fosse o pensamento voltado exclusivamente ao tempo, que estava sendo expulso daquele grupo que se encaminhava ordeiramente para o seu dever cotidiano.
Costumo ser muito tranquilo e cauteloso ao conduzir meu carro, mas num dia como aquele, seria possível ser prudente quando se desejava recuperar cinco minutos de atraso da rotina diária? O fato é que, naquelas condições, o relógio de ponto, aquele que registra de forma sisuda a entrada do funcionário à empresa e que ri da sua cara no final do mês, se por algum atraso lhe vem um desconto na hora do pagamento, transforma-se no seu pior inimigo.
Cinco minutos que seja de atraso, é capaz de mudar o temperamento e povoar a mente com a imagem de um famigerado relógio-monstro-de-ponto e o que é pior, fazer os ponteiros dos relógios dos outros parecerem parados frente aos seus, disparados.
Nesse dia, é possível achar que todas as pessoas ficaram lentas, todos os veículos andam muito abaixo da velocidade estabelecida, e a imagem que se tem do trânsito é a de um festival de carroças que saíram para um dia de desfile.
Alguém já viu, em dia de desfile, pessoas e alegorias se preocuparem em ser rápidas? Difícil. Somente aquele que não quer ser admirado. Mas este certamente, estaria do lado de fora da avenida, admirando então.
O atraso de um, é capaz de transformar o trânsito, de comunidade que é, em um mundo de feras, totalmente selvagem, ocasião em que um soar de buzina pode ser interpretado como um rugido, criando a cena de motoristas ofendidos saindo de suas máquinas com as garras e as presas afiadas prontas para o ataque.
Vivemos um tempo de escassez de consciência. Falta consciência na família, falta consciência no colégio, falta consciência no trabalho e a partir dessa constatação, como dizer algo diferente do trânsito?
O problema é que no trânsito, se falta o mínimo de consciência, converte-se o automóvel, que há muito tempo deixou de ser luxo, em arma poderosa, capaz de mutilar corpos e ceifar vidas. 
Um delicioso conforto de cinco minutos a mais ao calor dos cobertores numa manhã de frio rende impaciência, intolerância, o que de nada adianta, pois gera desconforto quando o calor dos ânimos exaltados é que dita as regras de todo o trajeto, do local de partida ao local de chegada.
Quando se vive numa coletividade, em que uma pessoa está ligada a outra direta ou indiretamente, o incômodo causado não é único, mas extensivo a todos quantos fizerem parte desse processo. Isto quer dizer que, no ato de dirigir apressadamente, quase sempre os veículos se colam na traseira dos outros, e essa proximidade, que comumente chamamos pressão, acaba pondo em risco no mínimo duas vidas, uma delas, inclusive, que não teve o privilégio de desfrutar dos mesmos cinco minutos da preguiça da outra.
Eu poderia escrever muito mais sobre o que observo no trânsito diariamente, porém, como já se faz tarde, desejo hoje dormir um pouco mais cedo, para amanhã levantar cinco minutos adiantados e poder sair calmamente, respeitando meus colegas motoristas, motociclistas e meus também semelhantes pedestres e parceiros ciclistas como irmãos e não como inimigos; comportando-me como gente e não como bicho.



Carlos José dos Santos é um talentoso escritor, professor e diretor de teatro.
Confira mais de seus textos aqui.

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