sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

"Pin - Up" - Novela de Alex Spinola (5º Capítulo)



CAPÍTULO 05

CENA 01. EXT. FACHADA DA PENSÃO. MANHÃ

TAXI do senhor Jovino já estacionado. FELIPE  ajuda PÉROLA a descer, enquanto ADÉLIA vasculha sua bolsa.

ADÉLIA: Só um instante, seu Jovino! O senhor sabe como é bolsa de mulher, né?

JOVINO: Já disse pra senhora lá no hospital que não precisa se preocupar com isso.

ADÉLIA: Imagina, seu Jovino! O senhor passou a noite toda com a gente lá na Santa Casa, perdeu noite de sono.

JOVINO: (segurando as mãos dela, com delicadeza) Fica pelos nossos anos de amizade, pela época que fui seu inquilino, pela mão na roda que a senhora foi quando a minha esposa faleceu. A senhora merece!

ADÉLIA (sorrindo, agradecida) Sendo assim, eu não vou insistir, né?

ADÉLIA se despede. MERCEDES, desconfiada vem ao encontro da filha.

MERCEDES: Filha, você está bem?

PÉROLA a ignora.

ADÉLIA: Você é uma camarada cara de pau, hein, Mercedes. Pra sua sorte, a minha uvinha está bem, fora d perigo. E o bebê também.

MERCEDES: Foi o desespero, dona Adélia. O desespero!

ADÉLIA: Até o desespero tem limite, minha cara. Nós já tínhamos conversado, eu disse que não iria desamparar a Pérola, mas essa sua ambição te deixa cega. Cuidado, sujeitinha, isso pode ser o seu fim!

CENA 02. INT. TV TUPI-SÃO PAULO. DIA

ARMANDO e ERNESTO no set de filmagem.

ERNESTO: Tudo em ordem pro jantar, Armando?

ARMANDO: Que conversa de carola, hein, Ernesto? Vá perguntar isso pra Olga!

ERNESTO: Que bicho te mordeu, homem?

ARMANDO: Quero saber dessa pequena, a Pérola. De onde veio, família?

ERNESTO: Ah, o pai é um bêbado, a mulher fugiu de casa.

ARMANDO: E mãe, é alguma beata puritana?

ERNESTO: Imagina, Armando, mulher liberal, vivia batendo aqui na porta da emissora, tentando arranjar teste pra filha. Vai convidá-la pro jantar?

ARMANDO: Não, quero manjar a pequena, antes! Eu não preciso de mais problemas.
ERNESTO: Pode ficar sossegado, homem. Sossegado!

LEGENDA em caligrafia rebuscada: alguns dias depois

CENA 03. INT. APARTAMENTO/ SALA. TARDE

LÚCIA prepara PÉROLA para o jantar de logo mais.

LÚCIA: O que importa é que você está bem, Pérola.

PÉROLA: (desorienta, sem rumo) Eu não sei de mais nada, Lúcia. To com medo dessa história toda, dessa mentira.

LÚCIA: Nós já conversamos sobre isso, o Armando não precisa saber de nada.

PÉROLA: E quando ele descobrir?

LÚCIA: (acariciando o rosto da amiga) Vai ser tarde demais. Ele não vai poder voltar atrás, querida. O Armando precisa desse casamento, dessa cortina de fumaça. E eu preciso de você dentro daquela casa. É tudo um jogo de interesses, e você sabe disso.

PÉROLA: Não é tudo o que eu sei, Lúcia!

LÚCIA: Quando chegar o momento, eu te conto tudo, Pérola.

PÉROLA: (apreensiva, já chorando) Por que esse mistério todo? Você e o Ernesto não confiam em mim? Lúcia, eu não quero machucar ninguém, eu cheguei até aqui porque a vida me empurrou. Eu nunca sonhei isso pra mim. Eu só queria ser livre e feliz!

LÚCIA senta-se ao lado de PÉROLA  e a abraça, com ternura.

LÚCIA: Nem o Ernesto sabe de tudo, Pérola. Ele só quer o lugar do Armando e mais nada. Eu não te conto tudo agora, pra te proteger. Você não vai machucar ninguém, você só vai me ajudar a fazer justiça. Você sabe o que é ser injustiçada, humilhada, tratado como uma qualquer, não sabe?

PÉROLA: Eu sei.

LÚCIA: (tomando Pérola pelos braços, colocando-a em pé) Pois bem, minha pequena, nós sabemos muito bem o que é isso e temos o direito de dar o troco, o direito, entendeu?

Elas se abraçam.

CENA O4. INT. PALACETE DE ARMANDO/SALA. NOITE

OLGA, austera e com uma frieza glacial, abre a porta. PÉROLA entra. Ela está tensa, mas inegavelmente linda, perfeita.

OLGA: (seca) O doutor Armando espera pela senhorita, na sala de jantar.

CENA O5. INT. PALACETE DE ARMANDO/SALA DE JANTAR. NOITE

ARMANDO acaba de abrir uma garrafa de champanhe. OUVIMOS uma música de fundo, a pungente “Blue Jeans”, de Lana Del Rey. Ele olha para PÉROLA, parece fascinado.

ARMANDO: Que bela visão, hein, pequena?

PÉROLA sorri, meio encabulada.

ARMANDO lhe aponta um sofá.

ARMANDO: Sente-se, fique à vontade!

Ele senta-se com ela, oferecendo-lhe uma borbulhante taça de champanhe.

ARMANDO: Aceita?

PÉROLA: (hesitando) Sim, só um pouco. Bela casa!

ARMANDO: (galanteador) Combina com você.

Ela sorri mais uma vez.

ARMANDO: Então você quer ser uma estrela?

PÉROLA: Desde menina, escuto isso da minha mãe.

ARMANDO: E ela está certa. É uma mulher de visão, preciso conhecê-la. Nós percebemos quando estamos diante uma estrela, ela brilha aos nossos olhos, ilumina tudo ao redor. Você tem isso. Vi algumas das suas fotos, tu és um estouro, pode apostar!

PÉROLA: (envergonhada) Nem me lembre delas. Acho que foram os tragos de vinho, eu não estava em mim.

ARMANDO: Larga a mão de bobagem! Isso é uma verdadeira febre, no estrangeiro! Ficou tudo de bom gosto, apesar de rudimentar. Monroe, Mansfield, todas começaram assim.

CORTA RÁPIDO PARA:

INT. PALACETE DE ARMANDO/ SALA DE JANTAR. NOITE

ARMANDO e PÉROLA estão à mesa. Trecho adiantado de uma conversa.

ARMANDO: É isso, minha pequena, não é fácil ser quem sou, tendo o poder nas mãos, rodeado por bajuladores, amigos da onça. Isso sem contar com as línguas de trapo, que me pintam como o diabo.

PÉROLA: (já zonza, por conta da bebida) Você, desculpe-me, o senhor não me parece o diabo.

ARMANDO: Nem diabo, nem Deus, pode apostar. Aliás, não acredito nem em um nem no outro!

PÉROLA fica em silêncio.

ARMANDO: Choquei você?

PÉROLA: Não.

ARMANDO: Melhor assim, não se pode ir longe, acreditando em coisas pequenas. E você quer ir longe, não quer?

PÉROLA: Sim, eu quero. Mas também quero ser livre.

ARMANDO: Mais uma coisa em comum entre nós, pequena, a liberdade. Apesar de tudo o que me cerca, dessa jaula chamada fama, eu também quero ser livre, sem amarras, sem pensamentos pequenos.

PÉROLA: Então, nisso, somos iguais.

OLGA entra, discreta.

OLGA: Já posso retirar os pratos, doutor Armando?

ARMANDO responde com um pequeno gesto.

ARMANDO: Então, Pérola, sejamos iguais e livres juntos.

ARMANDO retira uma pequena caixa de um dos bolsos de seu paletó. Ele a abre. VEMOS um belo anel, um solitário de diamante. PÉROLA se espanta.

ARMANDO: Não dizem que os diamantes são os melhores amigos de uma garota? Esse será o primeiro de muitos.

Ele toma a mão dela, encaixando o anel em um dos dedos.

ARMANDO: Pronta para ser uma estrela, pronta pra ser a futura senhora Montemor?

PÉROLA: Sim.

OLGA ouve o pedido como um insulto. Uma lágrima escorre pelo seu rosto de gelo. Discretamente, ela a enxuga e deixa a sala, tremelicando os pratos sobre a bandeja.

Por alguns instantes, PÉROLA e ARMANDO ficam em silêncio. Ela parece hipnotizada pela figura dele. Ele sorri e a beija com delicadeza.

CENA 05. INT. PENSÃO/ QUARTO DE GABRIEL. NOITE

GABRIEL faz suas malas, quase tudo pronto. ADÉLIA entra.

ADÉLIA: (já nostálgica) Oh, cubanito, agora é você que vai embora? Vai deixar saudades, viu?

GABRIEL: Também vou sentir saudades, Adelita! Pode apostar!

Eles se abraçam. ADÉLIA se emociona.

ADÉLIA: Venham visitar a velha aqui, de vez em quando, você e a Lúcia, e diz pra ela que, pra mim, ela vai sempre ser a Lúcia. Mulher danada, cheia de classe, uma dama de verdade. Eu desejo um tanto assim (ela abre os braços, generosamente) de felicidades pra vocês. Ave Maria, acho que eu já disse isso tudo! Vai, cubano danado, me perdoe, já estou caducando!

Eles se abraçam novamente.

GABRIEL: Não te preocupes, Adelita, é sempre bom ouvir o que vem do coração.

ADÉLIA: (já saindo) Vai, arrume suas coisas, eu vou voltar pra lida.

GABRIEL ajeita mais algumas coisas e vai saindo, lembra-se de algo e pega a mala que havia guardado debaixo da cama.

CENA 06. INT. PENSÃO/ CORREDOR. NOITE

GABRIEL passa por MERCEDES. Ela o encara, desconfiada. Ele se despede, ela responde com um murmúrio qualquer.

PASSAGEM DE TEMPO: CLIPE COM VÁRIAS IMAGENS:

INT. PALACETE DE ARMANDO/ SALA. DIA

PÉROLA é recepcionada por ARMANDO. JORGE carregando uma pequena mala. OLGA lançando olhares fulminantes para a nova moradora.

Vários JORNAIS enchendo a TELA com notícias sobre o casamento. ARMANDO e PÉROLA estampando a capa da REVISTA O CRUZEIRO, com o título: O CASAMENTO DO ANO.

INT. TV TUPI-SÃO PAULO/ SALA DE ARMANDO. NOITE

ERNESTO na surdina, ao telefone.

ERNESTO: Por hora, podemos um freio em tudo

VOZ DE MULHER (OFF) Freio nas notas sobre o Armando, meu eficaz informante, mas do resto, eu não abro mão. Você circula pelas altas rodas, é influente, o Boca de Matilde sempre conta com você!

INT. SALA DE ESCRITÓRIO. NOITE

Ambiente modesto. Uma MÃO feminina põe o telefone no gancho, abre um estojo de cigarrilhas e pega uma. A CHAMA do isqueiro nos REVELA seu rosto. Ela é CARMEM TOLEDO, 40 anos, cabelos curtos, rosto marcante.

CARMEM: A quem você pensa que engana, Ernesto Romani

EXT. RUA. DIA

ROCCO diante uma banca de jornal. Ele olha a capa da Revista O Cruzeiro e chora.

INT. PENSÃO/ QUARTO DE PÉROLA. DIA

MERCEDES, ladeado por balde e esfregão, encara as fotos de Armando e Pérola no exemplar da Revista O Cruzeiro.

MERCEDES: Garota ingrata! Me deu as costas, me largou nesse buraco, foi na conversa daquela aberração, aposto! Mas meu dia vai chegar, ela não vai me deixar fora disso, não vai mesmo!

MERCEDES guarda o exemplar da revista dentro do álbum de fotos de Pérola, escondendo tudo num canto do guarda-roupa.

MERCEDES: Preciso arrumar um lugar seguro pra isso, o mais rápido possível.

LEGENDA: alguns dias depois.

EXT. PENSÃO/ QUINTAL DOS FUNDOS. DIA

Festança. Samba de Miltinho tocando, o clássico “Palhaçada”. ADÉLIA ensinando o quebrado para o tímido FELIPE. Outros HÓSPEDES também já transformaram o quintal numa pista de dança. MERCEDES emburrada num canto. CASTRO se fartando de comida e bebida. O PONTO DE VISTA dele nos mostra a chegada de Pérola, acompanhada por JORGE.

CASTRO: (quase se asfixiando com a farofa) Olha lá quem chegou: a uvinha da dona Adélia!

O berro de CASTRO assusta MERCEDES. Encantado, FELIPE desconcentra-se e esmaga o pé de ADÉLIA. Ela grita, já se dando conta da chegada de sua uvinha.

ADÉLIA: (abraçando Pérola) Minha uvinha, pensei que você não viesse pro meu aniversário!

PÉROLA: Nunca na vida, dona Adélia, que eu iria fazer isso!

CASTRO aproxima-se de FELIPE, que ainda está encantado.

CASTRO: Tiro o olho paspalho, essa daí já fisgou um magnata. Foi mais esperta que a mãe.

FELIPE se irrita e deixa o tio falando sozinho. MERCEDES aproxima-se da filha, que está entregando um CONVITE nas mãos de ADÉLIA.

MERCEDES: Posso falar com você, filha?

ADÉLIA: Obrigado, uvinha! Não perco esse casório por nada! Vocês se acertem aí, enquanto eu preparo minha biritinha. Mas, ó, Mercedes, que eu  to de olho! E Pérola, não me deixa esquecer de ler sua mãozinha, viu, filhota?

PÉROLA: Pode deixar, dona Adélia.

Radiante, ADÉLIA já puxa JORGE pro meio da festa. PÉROLA e MERCEDES vão para um canto.

MERCEDES: Filha, me desculpe, pelo amor de Deus? Eu to mortificada! To pra morrer com o seu desprezo.

PÉROLA: (dura, magoada) Não coloque Deus no meio das suas patifarias, mãe! A senhora quase deu cabo da minha vida, a senhora tentou matar o meu filho!

MERCEDES: Eu também sou fraca, eu sou humana.

PÉROLA: Humana? Chega mãe! A senhora foi longe demais.
MERCEDES: (tocada pelas palavras da filha) Eu te imploro: me perdoa, Pérola? Olha, nós podemos recomeçar, eu sei que podemos.

PÉROLA abre a bolsa e retira um convite.

PÉROLA: Toma, é o convite pro meu casamento. Por enquanto, a senhora fica por aqui, eu não vou deixar que nada lhe falte. O Armando é muito generoso comigo.

MERCEDES: Pérola, você me largar aqui, nesse lugar, como se eu fosse uma velha, pronta pra ser jogada num asilo?

PÉROLA: A senhora aproveita esse tempo no asilo, pra botar as idéias no lugar.

MERCEDES: (chocada) Você fala de mim, filha, mas você também mudou.

PÉROLA: Mudei. A senhora me fez mudar. Com licença, a dona Adélia está me chamando.

PÉROLA sai. MERCEDES desconta sua ira no convite, quase o amassando por completo. CASTRO, quase encachaçado, aproxima-se dela.

CASTRO: Voltou às boas com a sua pequena, grandona?

MERCEDES: Suma da minha frente, seu porco!

CASTRO: (achando graça) Oxente, levou um esbregue da pequena, foi? Um chega pra lá? Bem feito pra você! A uvinha foi mais esperta, arrumou um magnata, mesmo buchuda, e você? O que você ganhou? Um pé bem grande na bunda. Mas não se arrelie não. Eu to indo trabalhar, passa lá na obra, mais tarde, você sabe onde fica, que eu amanso sua brabeza.

CORTA PARA:

ADÉLIA já lendo a mão de PÉROLA. FELIPE prestando a maior atenção, olhares derretidos para a garota.

PÉROLA: (curiosa mesmo) E então, dona Adélia?

ADÉLIA: (super concentrada) Bem, uvinha, eu sei que você acredita, você sabe que eu não brinco com essas coisas. É um dom, e eu só faço isso pra quem eu gosto, pra quem eu sinto que devo fazer.

PÉROLA: Eu sei disso, dona Adélia.

ADÉLIA: Pois bem, eu vejo muita felicidade pra você, um amor de verdade, mas não agora. Isso será pro futuro. E nem tudo é o que parece ser. Bem e Mal se misturam, se embaralham. Fique de olhos bem abertos, viu? E mais, eu não posso dizer.

PÉROLA: (confusa) Mas dona Adélia...

ADÉLIA não permite que PÉROLA prossiga e lhe beija a testa.

ADÉLIA: Fique em paz, uvinha. Tudo vai dar certo.

CORTE RÁPIDO PARA:

EXT. PENSÃO/ QUINTAL. ANOITECER

PÉROLA se despedindo. A mãe no encalço dela. JORGE de dando uma checada em MERCEDES, interessado. FELIPE conversando com ADÉLIA.

FELIPE: Ave Maria, dona Adélia! Por que a senhora não falou tudo pra menina Pérola?

ADÉLIA vendo PÉROLA entrar no imponente carro que a trouxe.

ADÉLIA: Porque ela não está pronta pra ouvir, Felipe.

CENA 07. INT. OBRA/ GUARITA DE CASTRO. NOITE

Desordem. Colchão jogado no chão. Alguns caibros e sacos de cimento empilhados. Com os dentes, CASTRO puxa a rolha de uma garrafa de cachaça e toma uns bons goles. Ele está impaciente.

CASTRO: Solidão da bexiga. Nenhuma rapariga pra me alegrar.

Ele zanza pela guarita. Liga e desliga um velho rádio, olha pro relógio e decide sair.

CASTRO: Aquela grandona safada não veio, mas eu vou atrás dela.

CENA 08. INT. PALACETE/ ESCRITÓRIO DE ARMANDO. NOITE

MERCEDES entra. PÉROLA fecha a porta.

MERCEDES: Eu vi o endereço no convite, filha. Resolvi te procurar. Nós precisamos conversar num ambiente tranqüilo, com calma. Também quero conhecer seu futuro marido.

PÉROLA: (indisposta) Ele não está, ainda não voltou lá da TV Tupi. Nós conversamos tudo que tínhamos pra conversar, mãe.

MERCEDES: Não, filha, nós não conversamos. Nós não falamos sobre um certo álbum.

PÉROLA: O que?

MERCEDES: Talvez esse velho saiba das safadezas que você andou fazendo. Ele é desse mundo da televisão, pode achar tudo muito normal. Mas e os outros? O que dirão da senhora Montemor, quando virem essas fotos esparramadas por aí, quando eu jogar essa merda todo no ventilador? Quase ninguém sabe do seu passado, o poder dele fez de você outra mulher, uma nova estrela, uma aposta. E também tem esse estorno aí na sua barriga, que você nem sabe se ele vai assumir como dele ou não.

PÉROLA: Eu não acredito no que você está fazendo. Você não teria coragem de acabar com tudo!

MERCEDES: Pois pode acreditar que eu teria, filha! Eu não perdi os melhores dias da minha vida com você e aturando aquele bêbado do seu pai, em vão! Pra agora, você me dar as costas e me abandonar naquela pensão, servindo de escrava praquela velha maldita.

PÉROLA: Eu disse que nada iria te faltar.

MERCEDES toma o argumento como insulto e revida com uma bofetada. PÉROLA cai.

MERCEDES: Filha ingrata! Esse seu nada é pouco pra mim, eu quero tudo!
Ainda zonza, PÉROLA se ergue, reúne suas forças e arrasta a mãe para fora do escritório.

CORTA RÁPIDO PARA:

CENA 09. EXT. PALACETE DE ARMANDO/ GARAGEM. NOITE

PÉROLA chama por JORGE, que está por ali, lustrando o automóvel.

PÉROLA: Jorge, por favor, leve essa louca de volta pra pensão e ordene aos seguranças que não a deixem entrar, nunca mais!

MERCEDES esperneia. JORGE a domina e a empurra para dentro do carro. Ela vocifera ameaças.

MERCEDES: Isso não vai ficar assim, você me paga, sua ingrata, desnaturada! Eu vou acabar com você!

O carro parte. PÉROLA retorna ao palacete, agarrando-se onde pode para manter o equilíbrio. CORTE RÁPIDO PARA a janela do QUARTO DE OLGA. A governanta está lá, camuflada pela cortina, observando tudo.

CENA 10. INT. PENSÃO/ QUARTO DE PÉROLA. NOITE

Porta arrombada. CASTRO olha ao redor.

CASTRO: Será que a grandona já se picou pra casa da pequena?

Ele abre as portas do guarda-roupa. Ele sorri.

CASTRO: Não, acho que ela não embora não. O cheiro dela tá aqui, nas roupas dela, grandona safada. Cadê, cadê uma camisola dela?

Ele começa a vasculhar todas as roupas. VISUALIZA uma camisola de Mercedes e a puxa. Recai sobre seus PÉS o álbum de Pérola. Ele pega, já folheando.

CASTRO: (arregalando os olhos) Que bexiga é essa? Quanta safadeza! A moleca é tão safada quanto a mãe!

Ele devolve as roupas, de qualquer maneira, ao armário e sai, carregando o álbum.

CENA 11. INT. APARTAMENTO/ QUARTO. NOITE

LÚCIA ajuda GABRIEL a desfazer as malas.

LÚCIA: Cubano preguiçoso! Agora que você inventa de ajeitar essas tralhas.

GABRIEL: Tínhamos coisas  muy importantes para fazer, Mi Carino! Amanhã, você volta ao palco do Antro!

Ela sorri. Ele também, mas seu sorriso dura pouco.

LÚCIA: (percebendo) O que foi, Gabriel?

GABRIEL: O álbum da Pérola sumiu.

Eles trocam um breve olhar.

LÚCIA: Mercedes!

CENA 12. INT. PENSÃO/ QUARTO DE PÉROLA. NOITE

MERCEDES acaba de chegar e já se deu conta de que foi roubada.

MERCEDES: Cubano desgraçado!

CENA 13. EXT. FACHADA DA CASA DE MERCEDES. MANHÃ

JORGE aguarda no carro. PÉROLA em diálogo tenso com JOSÉ. ACOMPANHAMOS tudo, sem ouvir. PÉROLA insiste e lhe entrega um convite. JOSÉ o amassa e joga no chão. OUVIMOS apenas o último insulto dele, antes da filha, completamente arrasada, voltar ao automóvel e partir.

JOSÉ: Eu não vou assistir ao seu casamento com o gigolô rico que a sua mãe te arranjou.

Alguns instantes depois, JOSÉ parece se arrepender. Chorando, ele senta-se  na sarjeta d recolhe o convite.

CENA 14. INT. BAR O ANTRO/ CAMARIM. MANHÃ

PÉROLA e LÚCIA conversam sobre o álbum.

LÚCIA: (ríspida) Não adianta. A Mercedes vai te chantagear com esse álbum, Pérola! Pra se instalar lá no palacete, ela é capaz de tudo e você sabe disso! E isso é péssimo para os nossos planos. Vou falar com o Ernesto, pra ele dar um jeito!

PÉROLA: (assustada com o tom da amiga) Calma, Lúcia!

LÚCIA: Não se preocupe, Pérola! Nós só precisamos do álbum!

CENA 15. INT. OBRA/ GUARITA DO CASTRO. DIA

CASTRO e FELIPE em conversa adiantada.

CASTRO: Não disse que te arrumava uma vaga, rapaz? Já falei com o encarregado, ele foi com a sua pinta, já tá tudo certo!

FELIPE zanza pela guarita, organizando a desordem do tio.

FELIPE:  Ave Maria, tio! Isso aqui tá um chiqueiro!

CASTRO: Larga a mão de frescura, cabra! Isso aqui não é a pensão da dona Adélia, não!

FELIPE: (ajeitando o colchão) O senhor não tem cama, não? Isso colchão jogado no chão, isso tá precisando pegar um sol!

Ao erguer o colchão, algumas FOTOGRAFIAS DE PÉROLA despencam de um rasgo na espuma. FELIPE percebe e as recolhe.

FELIPE: (já reconhecendo) Oxente, essa aqui é a menina Pérola! Que diabo de fotografias são essas, tio?

CASTRO: (tomando o material dele) Larga a mão de ser curioso, rapaz!

FELIPE: Onde o senhor arrumou isso aí?

CASTRO: (riso malicioso) Eu achei. É um remedinho pra minha solidão, entende?

FELIPE: (indignado) Ave Maria, tio! Devolve isso pra ela! Alguém pode entrar aqui e ver essas fotografias, vai ser uma vergonha pra menina Pérola!

CASTRO: Deixe de ser besta, cabra, que vergonha é uma coisa que ela não tem! E olhe, eu tenho um álbum inteiro, viu? Mas fique de bico fechado, hein? Agora anda, volta pra pensão e pega umas roupas! Amanhã, tu começas a trabalhar. Vamos, cabra, chispa!

Emburrado, FELIPE obedece.

CENA 16. EXT. CENTRO DE SÃO PAULO/LARGO DO AROUCHE. FINAL TARDE

MERCEDES perambula pelo Mercado das Flores, pede informações pelas bancas, sem êxito. Um VENDEDOR vem conversar com ela.

VENDEDOR: A senhora tá procurando pelo Ramiro?

MERCEDES: Sim! O senhor sabe onde eu posso encontrá-lo?

VENDEDOR: Depois que despacharam o povo da zona daqui, eu não o vi mais. Me disseram que ele tava trabalhando como leão-de-chácara no bordel da Salomé!

MERCEDES: (espantada) Salomé?

VENDEDOR: Sim! A senhora a conhece?

MERCEDES: (disfarçando) Não, claro que não! Onde fica esse bordel?

VENDEDOR: Depois da limpa, foi todo mundo lá pras bandas do Bom Retiro!

CORTE RÁPIDO PARA:

CENA 17. EXT. FACHADA DE UM SOBRADO. ANOITECER

Imóvel decadente. MERCEDES diante dele. Ela toma coragem e entra.

CENA 18. INT. SOBRADO/ SALA. ANOITECER

Ambiente lúgubre. MERCEDES é recepcionada por SALOMÉ, 60 anos, figurino e maquiagem que divergem de sua idade.

SALOMÉ: Voltou pro batente, Mercedes Topa Tudo?

MERCEDES: Eu quero saber do Ramiro.

SALOMÉ: Tem serviço tudo pra ele?

MERCEDES: Isso não é da sua conta!

SALOMÉ: Calma aí, camarada! Você tá na minha casa!

MERCEDES: (mudando o tom) Eu preciso dele sim.

SALOMÉ explode numa gargalhada.

SALOMÉ: Você continua a mesma, Mercedes!Só falta ronronar feito uma gata no cio, quando quer alguma coisa, com isso conseguiu até marido!

MERCEDES: Salomé, eu não tenho tempo pra relembrar o passado, eu preciso saber do Ramiro!

SALOMÉ: (amarga) Ascende uma vela pro capeta e pede pro Ramiro voltar! Ele bateu as botas, sua idiota!

CORTA PARA:

MERCEDES já saindo e SALOMÉ zombando dela.

SALOMÉ: Precisando, pode voltar! Galinha velha também dá canja!

CENA 19. INT. PENSÃO/COZINHA. NOITE

ADÉLIA prepara o jantar. FELIPE acabrunhado num canto.

ADÉLIA: A Mercedes me largou na mão! Você sabe dela, Felipe?

FELIPE: Sei não, dona Adélia.

ADÉLIA: O que foi, anjinho? Tá com saudades da terrinha, é?

FELIPE: É isso não, dona Adélia.

ADÉLIA: (largando as panelas) Ave Maria, menino, me diz o que é, você tá numa angústia!

FELIPE: Tava lá na obra e vi meu tio com umas fotos da menina Pérola!

ADÉLIA: Fotos?

CORTE BRUSCO PARA:

INT. PENSÃO/ CORREDOR. NOITE

MERCEDES reagindo ao que ouviu.

MERCEDES: Filho de uma puta!

CENA 20. INT. OBRA/ GUARITA DO CASTRO. NOITE

CASTRO e sua garrafa de cachaça. No RÁDIO, o clássico de Maysa, “Alguém Me Disse”. Ele cantarola junto. MERCEDES chega. Ele sorri, e seu PONTO DE VISTA nos REVELA uma MERCDES deslumbrante, metida num vestido negro que marca a cintura, decote princesa, bolsa estilo carteirão e luvinhas combinado.

CASTRO: Linda!

MERCEDES: Gostou do meu vestido. Eu que fiz!

CASTRO: Gostei de tudo! Tudo!

MERCEDES: Você não me oferece uma bebida, retirante sem educação?

CASTRO: Claro que sim!

MERCEDES: Eu preciso de um cigarro.

CASTRO continua em transe, hipnotizado por ela. A excitação o faz ignorar o que a levou até lá. MERCEDES vasculha sua bolsa. DETALHE da MÃO dela pegando um maço de cigarros, perdido entre um pequeno estojo de maquiagem e uma reluzente NAVALHA.

FIM DO CAPÍTULO.
Argumento e roteiro de Alex Spinola: 

37 anos, paulistano, capricorniano. Começou na arte da escrita bem cedo, aos doze anos, quando ganhou sua primeira máquina de escrever, um trambolhão da Olivetti. E dela saíram títulos cafonérrimos, "Passado Negro" e "Amor e Poder". Mas a paixão pela escrita surgiu bem antes, da feita que sua mãe o presenteava com inúmeras enciclopédias, para depois sabatiná-lo, é claro! "Mamãezinha Querida"? Talvez. A certeza de que tinha para escrever ganhou força anos depois, quando ganhou um exemplar de o "Manual Do Roteiro", de Syd Field. E tendo esse como bíblia saiu em busca de oficinas de roteiro, terminando na escola do crítico paulista de cinema, Celso Sabadin. Seu Mestre foi o inigualável Galileu Garcia. Produziu, nesse período, inúmeros argumentos. "Pin-Up" é um deles.

Zanzando pela Internet, conheceu um fecundo bando de apaixonas por roteiros, televisão e cinema e amizades se estreitaram. Isaac Abda e David Vallerio dão conta disso. E foi num desses encontros que o responsável pelo blog "Posso Contar Contigo?" lhe lançou um desafio: "Que tal escrever uma novela, um roteiro para ser publicado lá no blog?". Convite feito, convite aceito. O espaço em questão já havia sido inaugurado por David Vallerio e Lucas Nobre, autores da trama "Golpe Baixo". Além de novelas, é apaixonada por cinema - "Sunset Boulevatd e "Cidadão Kane" estão no topo de sua lista. Aprecia moda, Madonna, Marilyn Manson e músicas dos anos 50, 70 e 80. E pelo que se sabe, detesta todo o resto.

Supervisão de texto de David Vallerio: 

Idade desconhecida. Paulistano. Já foi estilista, produtor de moda, figurinista, ilustrador... Sua vida teve uma reviravolta quando foi selecionado pelo novelista Aguinaldo Silva para a segunda edição da Master Class, no Rio de Janeiro. Homenageado pela Master Class 1 com o personagem Crô Vallério, mas a alma é de Nazareth. Ama discotheque, anos 70, novela, filme americano B, pornochanchada, fofoca e BBB. Detesta axé, funk, pagode, futebol e sertanejo. Não confia em evangélicos e nem em quem é muito bonzinho. Quer agradá-lo? Presentei-o com uma Barbie Farrah Fawcett edição de Colecionador.

Veja também o 4º capítulo, aqui.

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